MUNDO PERCUSSIVO entrevista o percussionista e luthier brasileiro Alejandro Gonzáles.
Por: André Jaued
Das artes cênicas para o baile flamenco, do baile à música. Trabalhou com diversos profissionais, buscando a intimidade com os instrumentos, passou a fabricá-los, principalmente o cajón, hoje indispensável no flamenco. Utiliza um "set de percussão", para enriquecer este estilo, já tão atraente. Proprietário da AG Percusión representa com grande qualidade, e reconhecimento internacional, o cajón e outros instrumentos étnicos utilizados na “world music”.
ENTREVISTA:
MUNDO PERCUSSIVO: Conte para nós, um pouco, sobre sua trajetória musical. Quando e como começou o seu envolvimento com a música e com a percussão?
ALEJO: Comecei no baile flamenco. Para entender um pouco minha história cito minha avó, D. Hermínia, a filha mais nova de imigrantes espanhóis estabelecidos no interior de São Paulo. Minha avó era a guardiã das recordações e objetos trazidos de Almería (Sul da Espanha) como (bíblias, utensílios, um velho xale (mantón) de minha bisavó, e discos de vinil do “Casino de Sevilla”... Apesar de brasileiro e carioca da gema, sempre me senti muito atraído pela cultura ascendente e sua manifestação artística mais forte, o flamenco. O tempo foi passando e vivi uma infância/adolescência normal, porém muito ativa com relação à trabalho e estudo. Infelizmente não pude estudar música, minha formação acadêmica é outra, e aos 19 anos tornei-me independente financeiramente e aos 20/21 resolvi estudar o baile flamenco. Originalmente a percussão do flamenco se faz pelas palmas (marcante e característica na Arte Flamenca), pito (estalar de dedos) e o sapateado... Em 1995 fui a um show do Paco de Lucia, no extinto Canecão/RJ... Pude ver Juaquim Grilo (bailaor) e Rubem Dantas (percussão)... Pude observar “in loco” a evolução e modernidade que o flamenco tinha sofrido nos últimos 20 anos, suas influências, propostas pelo grande divisor de águas, Paco de Lucia... E lá estava ele: O Cajón! Saí a “cata” do instrumento que havia me encantado. Os poucos que havia no Brasil não me motivaram adquirir. Resolvi fazer o meu próprio instrumento. Daí fui aprimorando, pesquisando, fazendo e fazendo... Esse ano (2012) fecharemos 1000 instrumentos e a AG Percusión fez 10 anos.
MUNDO PERCUSSIVO: Como você define seu set de percussão? Existe algum seguimento percussivo, uma base estrutural, para a sua composição e um instrumento, em especifico, que você tem mais envolvimento em seu set?
ALEJO: Sem dúvida o Cajón. Minha base estrutural. Os outros instrumentos como djembê, frame drum, etc, passam a ser coadjuvantes.
MUNDO PERCUSSIVO: Existem outros gêneros musicais que você prefira trabalhar e que estejam relacionados à base de seu trabalho ou realmente a música flamenca foi seu alicerce musical e percussivo?
ALEJO: Música Flamenca, é o que eu sei. Agora após 10 anos, após 10 anos do Grupo Toca Madera (do qual sou um dos fundadores), e a AG Percusión já caminhando com mais tranqüilidade, posso iniciar/continuar meu estudo de bateria e mergulhar num misto de desfrute e pesquisa, dos ritmos nacionais e latinos, bem como, outros como rock... Enfim tudo!
MUNDO PERCUSSIVO: Podemos acompanhar diversas expressões da cultura flamenca em nosso país. A música e a percussão flamenca tem conquistado nosso território de forma tradicional, respeitando as suas origens e como tem sido a expansão dessa cultura musical aqui no Brasil?
ALEJO: A música flamenca é uma expressão que recebeu e recebe influências de vários povos, várias culturas e influências de nosso cotidiano... É difícil falar de uma arte que é receptora desta forma e de difícil classificação quanto a dizer se é folclórica, se é regional, se é tradicional, se é contemporânea... Étnica? Creio que não, penso ser “world music”. Vemos hoje no flamenco maestros como Domingo Ortega (bailaor/Espanha) que tem influência da street dance, Fernando de la Rua (guitarrista/Brasil) que se destaca pelo “choro”, pela “viola” em suas composições. Cabe ressaltar que Fernando é considerado como “uma das guitarras” mais melodiosas do flamenco. Um orgulho para nós brasileiros.
MUNDO PERCUSSIVO: Como você descreveria a inserção de outros instrumentos de percussão na música flamenca como tambores efeitos e alguns tipos de instrumentos usados em na cultura brasileira?
ALEJO: Fantástico se bem usado. Deverá ter a utilização com muita parcimônia e atento à vivência flamenca, pois apesar de ter influências diversas, o flamenco possui códigos específicos, dinâmicas próprias, vivências bem particulares... Concepções por vezes muito complexas e rebuscadas para quem está de fora, mais muito simples para quem vivencia o flamenco.
MUNDO PERCUSSIVO: “Transitório” O espetáculo que insere o ritmo flamenco em outros contextos musicais, depois de passar por Salvador está agora na cidade do Rio de Janeiro. Conte-nos um pouco mais sobre este projeto e sobre sua participação no grupo TOCA MADEIRA.
ALEJO: Como falei anteriormente, fui um dos fundadores do grupo, juntamente com Allan e Tiza Harbas, Clara Kutner, Eliane Carvalho, Sérgio Otero, Flavia Lopes e Dani Perez. Minha história com flamenco se confunde com a própria história do grupo. Tudo que sei, sendo pouco ou muito, foi vivenciado com essas pessoas das quais aprendi e aprendo até os dias de hoje. Bom, utilizando as palavras de nossa diretora Clara Kutner (que nutro grande admiração), o TRANSITÓRIO, dá prosseguimento a nossa pesquisa corporal e musical. Os músicos e as bailarinas participam ativamente da cena: tudo é música, os personagens são os instrumentos dançados e tocados. A proposta é criar uma relação de estar dentro e fora. A escolha das músicas veio do desejo de falar outras línguas e sons e ruídos também atravessam a cena... A cena foi construída sobre a descontinuidade temporal e espacial, abrindo espaço para o improviso. A estrutura do espetáculo se organizou em torno de momentos que se estabelecem e se dissolvem. Mais que um show, um espetáculo... Uma experiência, e quiçá bem prazerosa... Estaremos em cartaz até 15 de abril no Rio de Janeiro...
MUNDO PERCUSSIVO: Não só como músico, mas você também atua como luthier. Essa relação com a matéria, fabricação, estudos técnicos como acústica e química faz com que você sinta os instrumentos de percussão de uma forma especial devido estes conhecimentos? Conte para nós um pouco de sua experiência como luthier e com o processo de construção!
ALEJO: Uma experiência às vezes penosa na criação, sacrificada, porém muito gratificante. Pesquisa e muita pesquisa. Sinto de forma especial sim. Conheço-o e sei até onde ele chega. Suas limitações, nuances e timbres. Assino todos os instrumentos meus e os que saem para o público.
MUNDO PERCUSSIVO: Existe alguma influência do trabalho de luthier em seus trabalhos como músico? Talvez algo que tente buscar a experiência do seu contato com a materialidade do instrumento...
ALEJO: Total. Às vezes tenho que me policiar, pois me distraio na execução da percussão no sentido da observação daquilo que saiu das minhas mãos... Como se tocar fosse o “test drive” dos instrumentos e ainda busco a opinião de técnicos, músicos e engenheiros de som...
MUNDO PERCUSSIVO: Como luthier você desenvolveu e inseriu uma importante tecnologia, na madeira, no processo de fabricação de cajóns. Especificamente o que diferencia e representa esta tecnologia nos seus instrumentos?
ALEJO: Representa o nosso ouro alquímico. A tecnologia PHE empregada nos instrumentos onde usamos madeiras como membrana vibratória de impacto é o que nos é mais caro, mais cuidadoso e, um grande sucesso e pioneirismo de nossa linguagem.
MUNDO PERCUSSIVO: O cajón é um instrumento de extremo respeito em alguns países da América do sul, como no Peru seu país de origem, e em diversos países europeus. Qual seu ponto de vista sobre a popularização desacerbada do cajón aqui no Brasil.
ALEJO: Acho muito legal a popularização do instrumento. Não poderia ser diferente num instrumento tão singular, tão especial, tão simples... No entanto ser simples não é ser simplório. Hoje chegamos a níveis excepcionais de fabricação onde o instrumento chega próximo à perfeição. Contudo, nos deparamos, por vezes com verdadeiros engodos como cajones com “captação ativa” (plugado), esteira ao invés de bordões e etc. Não aceito a ideia de caixa e bumbo. Os agudos não devem ser correspondentes à caixa de bateria e nem tampouco os graves são bumbos, acredito na relação mais com o “tom” da bateria, pelo menos esta é nossa opinião. E quanto à captação, é proposto um disfarce... Não vemos conga plugada! Não vemos bateria plugada! Por que utilizar no cajón? Não sei se as cápsulas usadas cheguem aos pés de um simples SM 57... E fica o questionamento em paralelo: os melhores violões, por exemplo, são os acústicos não os plugados (ditos elétricos)... O bom instrumento soa bem acusticamente, o microfone é apenas para dar “ganho”. Não se fabrica som de instrumentos em mesa de som. Não sou reativo à modernidade e/ou a praticidade. Mas creio que as mudanças e evoluções tenham que ser calcadas no real, no que é importante de fato. Ao mostrar-me um bom instrumento de fato com uma evolução de fato, eu não tenho problema em mudar de opinião, mas sou um crítico ferrenho.
MUNDO PERCUSSIVO: Depois de tanto tempo de experiência como músico e luthier, o que a percussão significa e como você a vê hoje em sua vida?
ALEJO: Nem tanto tempo assim... Tenho 37 anos e creio que seja apenas o início. Crio base para coisas maiores, sejam artística ou empresarialmente. O Derbake (único na América Latina) está sendo uma grande aventura e, a ZOD (Zyriab Oriental Drums – braço da AG Percusión para instrumentos do médio oriente) tem grandes projetos para um futuro próximo. Desejo um dia fomentar a percussão. Fomentar o translado de instrumentos raros e atípicos para a nossa música. Desejo trabalhar na lutheria, atuar artisticamente e estudar/pesquisar artisticamente cada vez mais e como nunca tive oportunidade de fazê-lo em sua plenitude.
Agradecimento
Em nome de todos que acompanham o projeto MUNDO PERCUSSIVO e que admiram seu trabalho, quero agradecê-lo pelo carinho e atenção disponibilizado a nós. Não só como músico, más pelo grande trabalho que desenvolve como luthier.
Digo e repito:
Não só pela nossa parceria, mas como estudo e pesquiso sobre a sonoridade do cajón há alguns anos e tive a oportunidade de testar os principais e melhores fabricantes do mundo, posso garantir que o seu trabalho está à frente ou caminhando junto com estas principais marcas, sendo uma delas. Representando o Brasil, com seus belíssimos instrumentos de uma qualidade impar no cenário mundial, Alejandro Gonzáles, gostaríamos de dizer o nosso muito Obrigado!
ALEJO: Eu é que agradeço a consideração e reconhecimento em suas palavras, bem como, o espaço aberto para que eu divida um pouco do que fui, sou e o que espero. Meus sinceros agradecimentos! E contem sempre com a AG Percusión. Obrigado!